Quem julga que a tecnologia é uma modernice que assusta os idosos não faz ideia de que o estereótipo é só virtual.
Serve para juntar
famílias ou descobrir amigos em qualquer idade.
José Antunes tem 71 anos e
sempre rejeitou “estas modernices” que surgem a uma velocidade louca. Facebook,
Twitter, Skype ou Instagram faziam parte destas “modernices” de que fugiu até
ao momento de o filho emigrar. E foi então que tudo mudou. Mas não de um
instante para o outro. “No início não foi nada fácil, sentia que todos
aprendiam menos eu, mas lá consegui, com a ajuda dos meus netos.” Agora tem
conta no Facebook, no Twitter e contacto quase permanente com o filho: “Isto é
um vício tremendo”, admite José, que usa as redes sociais para jogar, partilhar
vídeos e músicas. E também para Rosa, a sua mulher, publicar fotos do cão
Tobias e não perder o contacto com amigos e família.
Maria dos Anjos, 69 anos, vive
sozinha, na cidade do Porto, e foi também quando as netas partiram para os
Estados Unidos num programa de intercâmbio que decidiu juntar-se ao clube
Facebook: “Consigo acompanhar a aventura das minhas netas e falar muitas vezes
com elas, embora nem sempre seja fácil com o fuso horário.” Uma vez rendida,
descobriu também amigos de juventude e ainda que é possível organizar
reencontros sem fazer sequer uma chamada. Basta um computador ligado à net e,
claro, o Facebook.
“Mãe, isto é feito por
americanos, logo tem de ser muito simples.” Foi com este argumento que a filha
convenceu a escritora Alice Vieira a utilizar o computador. A entrada na era
digital aconteceu há “uns bons anos”, e portanto do computador para o Facebook
foi “um processo normal”. Tão normal que aos 72 anos é bastante activa nas
redes sociais e nem sequer houve resistência a entrar nas redes sociais.
Será que temos aqui três aves
raras ou, ao contrário do que se diz por aí, idosos e redes sociais são da mesma geração?
Nem uma nem outra hipótese estão certas, defende o sociólogo Manuel Villaverde
Cabral. O que acontece é que esta nova geração de seniores não é a mesma de há
20 ou 30 anos. “É necessário ter em conta que os 60 anos de hoje não
representam os de há 20 anos e apelidar de terceira idade as pessoas com mais de 65 anos
começa cada vez mais a deixar de fazer sentido porque vivemos mais tempo e com
mais qualidade.”
Para o sociólogo a presença dos idosos vem na sequência das mudanças
do seu próprio envelhecimento. A partir do momento em que os trabalhos
industriais perdem peso, os escritórios, por outro lado, ganham. “A
diferença entre mais velhos e mais novos vem a diminuir mais por
substituição de gerações do que por os velhos entrarem propriamente no
circuito. As redes sociais em concreto servem essencialmente para comunicar,
pois trata-se de um impulso natural.”
E foi por uma espécie de
“impulso natural” que António e Manuela se ligaram às redes sociais. Estão
casados há 35 anos, não têm filhos e sempre tiveram aptidão para computadores e
redes sociais. Agora estão a gozar a reforma e, como a maioria dos amigos não
vive em Portugal, passam boa parte do tempo a viajar pelo mundo. Não prescindem
portanto do Facebook, onde criaram um grupo com os amigos das viagens. “Sempre
fomos dados às novas tecnologias e o Facebook foi maravilhoso para mantermos o
contacto com as pessoas que vamos conhecendo pelo mundo inteiro”, conta
Manuela, de 70 anos. “Criámos um grupo privado porque todos os anos nos
reunimos em algum sítio”, acrescenta o António Neves, de 72 anos.
O quintal da Alice O Facebook é
uma espécie de “quintal” de Alice Vieira, onde se partilham textos e músicas e
que com o tempo foi ficando mais selectivo: “Tenho muitos amigos e seguidores
porque antes aceitava tudo.” Agora já não. Crianças, “amigos” não identificados
ou pedidos de trabalho são à partida rejeitados: “Não aceito porque não é
trabalho e eu uso as redes sociais para me divertir.”
Facebook e blogues é do que
gosta e já aprendeu a distinguir os benefícios e as desvantagens: “As redes
dependem da utilização que fazemos delas.” Há sempre o risco de as muitas horas
passadas frente ao monitor virarem um vício, mas também há mais amigos que
surgem e não são apenas virtuais. De resto, é só saber tirar partido do poder
que se tem na ponta dos dedos: “Houve uma altura por exemplo em que por causa
de um livro que estava a escrever precisava de ir a Porto Santo.” Não conhecia
ninguém nem tinha onde ficar: “Pedi ajuda no Facebook.” E foi assim que
conseguiu ter anfitriões, visitas guiadas, casa e mesa à sua espera. “É um
factor de aproximação das pessoas e isso é o que mais valorizo nas redes
sociais.”
O exemplo de Alice Vieira não é
o exemplo de Júlio Isidro. O apresentador de televisão é dois anos mais novo
que a escritora, mas isso não bastou para derrubar as resistências iniciais:
“Tenho Facebook há cerca de um ano. Comecei a usar com a ajuda das minhas
filhas por causa de um texto que escrevi e que se tornou viral na rede.”
Ainda assim, não soltou a rédea
de imediato e ainda hoje impõe limitações e regras a si próprio: “Não digo
coisas da intimidade banal mas sim intelectual. Tenho uma página pessoal e uma
profissional onde só falo das coisas que acho que devo partilhar. Seria incapaz
de publicar a foto de um prato de comida”, avisa.
Não vê o Facebook como lazer
mas sim como trabalho, pois usa-o mais “como um meio de comunicação”. Mas será
que fazer parte do clube não só traz amigos mas também diminui a distância
entre as gerações? Júlio Isidro acha que não. Ou pelo menos não é o caso dele.
“Eu até estou admirado porque no Facebook uma das minhas amigas já tem 96 anos
e escreve coisas muito ajuizadas. Sabe, eu vejo a juventude das pessoas pelo
que escrevem e não pela sua idade”, remata.
Há quem tenha o Facebook e não o use sequer, como acontece com o escritor Mário Zambujal. Não é por se sentir velho, avisa. A página foi aberta pela editora para promover a interacção com os leitores, mas a experiência nem sempre correu bem: “Tenho algumas reservas porque há coisas que são desagradáveis – criam isolamento. São manias minhas, mas reconheço que é uma forma de quebrar a solidão.”
Há quem tenha o Facebook e não o use sequer, como acontece com o escritor Mário Zambujal. Não é por se sentir velho, avisa. A página foi aberta pela editora para promover a interacção com os leitores, mas a experiência nem sempre correu bem: “Tenho algumas reservas porque há coisas que são desagradáveis – criam isolamento. São manias minhas, mas reconheço que é uma forma de quebrar a solidão.”
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